terça-feira

eu fui aquilo que agora vejo reflectido no chão, inútil, cuspido e amachucado. fui prostituto porque me entreguei a uma vida estranha esperando receber algo em troca. fui proxeneta  porque procurei outros caminhos para cada vez mais poluir o meu passeio. fui cabrão porque passei por cima de quem menos merecia. fui malabarista porque joguei com o risco e a desilusão (escusado será dizer que, efectivamente, perdi, porque não consegui contra-atacar). fui a Morte de muitos medos, ceifei-os sem pavor ou falta de convicção. fui a raiz de muitos calafrios, porque deixei uma porta obscura aberta, e alguem lá entrou. fui cinza do meu próprio sangue, porque ardi na paixão que o meu coração bombeou. fui astro de um céu repleto de estrelas mais cadentes que brilhantes. fui vagabundo vadio de uma aspereza tremenda, fruto de relações com alicerces demasiado frágeis. fui alimento de uma dúvida e de uma ansiedade cada vez mais avassaladoras. fui eu.

agora não me digam vocês, dúbios palhaços, que brinquei mal, que o jogo tinha regras que não cumpri.
não me digam vocês, actores de um teatro muito mal ensaiado, que me esqueci de deixas inexistentes.
não me digam vocês, merdas de cão, que não limpei os meus restos quando devorei os vossos ossos putrefactos.

não me digam que chorei em vão.
não me digam sequer que nunca amei.

porque as lágrimas que derramei serão sempre mais ardentes que qualquer fogo que consuma as vossas miseráveis vidas.

não me digam que me esqueci de ser eu próprio.

1 comentário:

Flávio Miguel Mata disse...

Sim, eu tenho cá passado :)
E estou a gostar bastante *